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Acho
que eu tinha apenas uns cincos anos de idade quando recebi a primeira
orientação sobre Deus, sim, o mesmo que é Pai do Cristo que morreu crucificado.
A mediação foi feita pela minha avó, que também foi responsável por tudo que
aprendi de valores humanos. Ela era uma pessoa sensível a todos os episódios do
cotidiano que envolvessem a perversidade, a crueldade, a falta de
solidariedade; e tinha medo de tudo quanto causasse dor, mágoa, ódio no outro.
Dizia
que tudo que era injusto desagradava a Deus. Lembro-me dos tantos medos, tabus
e superstições que aprendi com ela. Um deles era de o mundo acabar porque a
Terra estava muito cheia de pecados dos seres humanos. Ela dizia que isso
ocorreria no ano 2000. E eu ficava pensando que se eu não pecasse muito e
fizesse o bem ao mundo provavelmente eu não morreria tão jovem.
Cheguei
a perder o sono a noite com medo disso e também de almas penadas, pois, ela
também narrava que as pessoas ruins não alcançavam o sossego depois da morte e
os espíritos ficavam vagando entre os vivos para assombrá-los. Muitas noites
fui balançada em uma rede, por ela, para que dormisse, quando alguém conhecido,
que eu via como uma pessoa ruim morria. São episódios da minha infância e adolescência
que eu nunca esqueci.
Nesse
contexto, Deus era para mim o Poder responsável por qualquer milagre e era um
ser fantástico, do bem, aquele capaz de chegar e transformar tudo quanto fosse
sombrio em claridade eterna. E muito cedo busquei entender sobre a sua
divindade lendo os evangelhos, aos quais tive o primeiro contato em um desses
livrinhos de Novo Testamento distribuído pelos Gideões.
Li e
reli o livrinho muitas vezes, sem pretensões de marcar o nome de uma Religião, e
aprendi coisas que até hoje permanecem em mim enquanto pessoa que crer em
Cristo. Sim, porque aprendi muito sobre este que antes de ser definido como um
ser transcendental que rege o universo, é um ser histórico. Ele dividiu a História
e a Geografia Religiosa do mundo, transformando-se em marca para a Igreja, grande
parte dos povos orientais e ocidentais e os governos.
Não há
como falar desse aprendizado sem citar o entendimento de que, para ser um
cristão dado à fé, é preciso ver o fundador da tese cristã como alguém que
direciona seu discurso a todos os povos da Terra. No livro onde estão escritos
os ensinamentos que doutrinam o cristianismo, a Bíblia, as expressões que
fazem-me interpretar desta forma são claras, como esta que se lê na carta
escrita por Tiago, apóstolo cristão: “Mas se
fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo por isso condenados pela lei
como transgressores” (Tiago 2:9).
Em síntese,
os textos bíblicos deixam claro que Deus não privilegia, não tem protegidos, não
discrimina ninguém, condena qualquer um, mesmo aquele que se mostra o mais fiel
de todos, mas, está com o coração cheio de ira e este sentimento um dia é
externado através da voz ou de atos. Esses fatos são muito comuns envolvendo
sacerdotes ou membros de igrejas cristãs ou mesmo pessoas que tentam ter um
discurso dotado de pureza, mas, uma ou outra atitude cometida em seus
relacionamentos na sociedade demonstram sua fragilidade como ser humano. E é
algo muito próprio da humanidade, embora os julgamentos, tanto dentro da igreja
como externamente, às vezes cheguem aos extremos.
Trazendo
para um recorte mais real, temos hoje no Brasil situações que muito se inserem
neste contexto e esses episódios não se limitam a avaliações que se vinculam
apenas ao cotidiano individual ou espiritual das pessoas. Outros sentimentos
voltados para os valores do poderio econômico-financeiro estão sendo misturados
à fé, de tal forma, que na formação de quadros políticos-legislativos temos a “bancada
da fé”.
Mas, o
inusitado nisso tudo não é ter uma bancada que diz resguardar os valores
divinos. A mim, enquanto observadora da história política do Brasil,
impressionam os fatos nos quais se envolvem os membros do grupo: alguns presos
por corrupção; outros envolvidos em investigações de fatos semelhantes e outros
aliados às bancadas que de forma evidente estão no Congresso Nacional apenas
para garantir seus privilégios econômicos e sociais. Somente, como é a bancada
ruralista.
É claro
que nesse meio não esqueço de mencionar as outras bancadas que vão surgindo
para confrontos contra esses que buscam manter-se no seu lugar de destaque e de
poder desde que o país foi fundado, como os grupos que lideram os movimentos
sociais, chamados hoje de “esquerdopatas”. O que fica muito claro no cenário é
a polarização de interesses. Como se cada um tivesse que garantir o seu. E a
quem não sobra nada “que se lasque!”.
O
cenário é de total desobediência ao Deus que não faz acepção de pessoas. Mas, é
claro que cada um dos grupos vai se aproveitando do que lhe convém naquilo que
chamam de Palavra de Deus para ganhar a notoriedade do povo, e obviamente, em
ano de eleição como é este de 2018, alavancar na preferência popular. Alguns
grupos percebem o perfil da sociedade e já sabem o que fazer. Vale então os
vários discursos pro isso pro aquilo: família tradicional; ataque a gays,
lésbicas, bandidos; o uso do nome de Deus e até das frases bíblicas
descontextualizadas, sem refletir sobre: em qual situação cabe aquela frase, já
que todo o ensinamento bíblico se direciona a fatos, sentimentos e contextos
abordados pelo próprio Cristo.
Há até
candidatos que se auto-intitulam que vieram em nome de Deus! Um discurso que se
volta para a ideia de que somos um país cristão. E somos, no discurso. Se
formos pesquisar entre o povo, uma maioria estarrecedora se declara cristão e
em seguida já faz o julgamento de quem não crer dizendo que a pessoa irá para o
inferno, em vida. Acredito que o julgador não leu esta parte: “E se alguém ouvir as minhas palavras, e
não crer, eu não o julgo; porque eu vim, não para julgar o mundo, mas para
salvar o mundo” (Lamentações, 4:12). E nem essa colocação de Jesus: “Ide por
todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16: 15).
A falta de leitura e de interpretação bíblica tem
levado aos membros da sociedade e em especial das igrejas, para não dizer o
eleitor, a se comportar de maneira tão contraditória aos evangelhos como os
tais religiosos da política. Os discursos que incitam o ódio são fáceis de
encontrar nas redes sociais, nos jornais, nos comícios e manifestações
partidárias. Às vezes, até os candidatos que dizem falar “em nome de Deus”
estimulam essas atitudes e esquecem que há milhões de pessoas compondo o
auditório do seu discurso e que nesse meio estão os loucos e os sensatos. As
tragédias começam a se formar nesse campo volumoso, diverso e real.
Olhando o cenário fico lembrando da época em que
eu era criança e também estudante. O meu primeiro professor de História, o
saudoso Gerson Lopes, quando falava do contexto da Idade Média, deixava bem
claro que a Igreja, a Religião, envolvida na política, acaba que, por ambições maiores
do que a “salvação do povo”, tomando o rumo da insanidade, da violência e da
crueldade. E eu, como aluna ainda em processo de formação leitora, não
conseguida entender essa relação da igreja com a política, tão distante de
Deus, porque eu tinha aquela visão de um divino ser criada em minha mente pela
minha avó: ele era justo, não privilegia ninguém seja pelo que for e nem
condena inocentes.
Se a história registrada nos livros e as pesquisas
realizadas sobre a inquisição romana ainda forem válidas, diante das
atrocidades históricas que também são colocadas nesta campanha, todos nós,
inclusive os da “bancada da fé”, sabem o significado do poderio religioso
medieval. Aí eu prefiro seguir tudo que aprendi com a minha mãe-avó e o que li
nos evangelhos: Deus não é tão insano como pregam os religiosos-políticos e os
políticos-religiosos para criar um cenário desses.
Eu volto às minhas concepções infantis do que
realmente pode ser visto como divino e as cumpro, incluindo nisto a análise dos
candidatos para votar. Incluo também, até a possibilidade de existirem os
espíritos malignos [risos], embora com uma visão menos fantasiosa do que a da
minha avó, que me fazia ter um medo tremendo dos mortos, que só passou quando
tive a certeza que entre a morte e a vida há um capítulo da narrativa que
ninguém pode contar.
Por Mônica Freitas
Lindo texto...
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