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segunda-feira, 23 de março de 2020

OS PARABÉNS DOS PAIACU À TERRA DOS TAPUIA PAIACU




Hoje Apodi completa seus 185 anos. O momento não permite uma festa aglomerada de gente, nem um bolo gigante para ser dividido com o seu povo, que carrega na sua cultura linguística, alimentar e em alguns costumes diários atitudes, crenças, modos de vida que, mesmo inconscientemente vividos e disseminados têm origem na intercalação do processo cultural entre o branco e o indígena. No entanto, nessa cultura, por mais que seja negado, prevalece fortemente impregnado o aspecto do culto indígena, em especial nas atividades agrícolas, em que o cultivo de produtos originários das vivências Tapuia Paiacu.

É inegável o quanto a carga cultural da etnia que vivia na aldeia às margens do Rio Pody e da Lagoa Itaú no século XVII, em sua forma originária e, que ainda prevalece na sua ascendência atual influencia os discursos no meio social e político. Não obstante às atitudes de negação da existência do povo é comum ouvir de prefeitos, vereadores e demais políticos e gorvernantes, constantemente a frase: “APODI, TERRA DOS TAPUIAS PAIACUS”.

Apesar do processo de aldeamento em Portalegre, quando grande parte do povo Paiacu foi levado àquela serra por volta de 1760, é importante que saibamos que uma boa parte de índios permaneceu trabalhando na Paróquia, fundada pela Missão de São João Batista e em casas de famílias. Houve também casamentos de índias com brancos, o que jamais elimina por completo a genealogia descendente da referida etnia. E é isto que garante a permanência da ideia de que estamos sim situados na “Terra dos Tapuia Paiacu”.

Além do mais, Apodi surge a partir da Aldeia Paiacu, situada às margens da Lagoa do Apodi  - nome atual – basta olharmos a localização da Igreja Matriz, das construções antigas que formaram o Centro da Cidade, a antiga feira e tudo que foi historicamente construído muito próximo das margens da lagoa, onde estava situada a taba indígena, com diversas palhoças (casas de Paiacu).  

É bem verdade que até pouco tempo não tínhamos nenhuma análise mais profunda sobre essas informações porque o homem que se diz “branco” descendente de europeu e detentor do domínio político foi quem se encarregou, estritamente de contar a história. Apodi, ouviu e divulgou alardeadamente a história das famílias brancas. Ninguém, quase nunca se deu conta de que nossa população é mais parda do que branca; de que nosso povo é culturalmente voltado para costumes e devoções que misturam fortemente a superstição xamã às crenças cristãs. E também não tivemos uma análise mais aprofundada de que tudo isso foi feito em cumprimento ao que se pensou fazer com base na ideia de que era possível “embranquecer a sociedade”.

Enfim, Apodi chega ao momento de sua emancipação em 1833, quando esta foi requerida e a sua confirmação em 23 de março de 1935, com a carga do silenciamento ocorrido pelo massacre de 1825 na Serra de Portalegre quando foram mortos dezenas de índios de uma só vez em um fuzilamento sangrento e covarde, com famílias indígenas em quarentena (a palavra da moda no momento), em suas casas, para que nunca mais saíssem ao convívio social, mesmo sabendo de sua identidade.

É novidade, porém é aceitável historicamente, basta pesquisarmos os diversos estudos que indicam a prevalência de indígenas em toda a nossa região: o povo Paiacu ainda existe, não foi eliminado, as suas raízes estão vivas, até no discurso popular. O assunto vem à tona a partir de 2013, quanto o Centro Histórico Cultural Tapuias Paiacu da Lagoa do Apodi (CHCTPLA) foi fundado por Lúcia Paiacu Tabajara (nome oficializado a partir de análise jurídica da Comarca de Apodi), hoje liderança do povo Paiacu do Apodi, grupo reconhecido pela FUNAI como uma das comunidades indígenas do Rio Grande do Norte, estado que teve negação da existência de povos indígenas até o ano de 2005, quando estudos realizados por antropólogos abriram espaços para uma nova compreensão sobre esta temática.

O CHCTPLA, formado estritamente por pessoas que têm relato de pertencimento ao povo Paiacu, vem desejar parabéns à nossa cidade, ao nosso lugar de origem, congratular a sua emancipação política, mas, sem esquecer que é POLITICAMENTE que tendemos a ser NEGADOS. Sim, pois, apesar da frase “Terra dos Tapuias Paiacus”, saída tantas vezes das bocas de governantes, famílias que compõem esta entidade são olhadas atravessadas, com desconfiança e com a propagação de pensamentos que contrariam a preservação identitária, étnica e cultural.

Estamos no processo de construção de um museu, hoje situado em prédio que até bem pouco tempo era abandonado, mas, pertencente ao PODER PÚBLICO ESTADUAL. A sua reforma para a transformação no Museu Luiza Cantofa tem sido lenta, pela falta de recursos, pois o povo associado à entidade é de família pobre – sim, as famílias Paiacu de Apodi, desde o início, permaneceram pobres – e isso faz com que tudo se torne muito difícil. Ultimamente, a única ajuda recebida é de um voluntário, também descendente  do povo Paiacu que reside fora do Brasil, um empresário que conseguiu o sucesso empresarial e hoje auxilia com doações para a reforma do prédio, juntamente com outras pessoas de Apodi, que também contribuem para que um dia possamos ter um lugar para expor nossa história.

Enquanto isso não ocorre, estamos aqui, torcendo por nosso lugar de origem, mas, conscientemente relembrando que a “Terra dos Tapuias Paiacus” não é apenas uma frase que serve de recurso estilístico ao discurso. Há mais verdade nisso do que o enfeite.

PARABÉNS MEU APODI, PELOS 185 ANOS.

Por Mônica Freitas