Hoje Apodi completa seus 185
anos. O momento não permite uma festa aglomerada de gente, nem um bolo gigante
para ser dividido com o seu povo, que carrega na sua cultura linguística,
alimentar e em alguns costumes diários atitudes, crenças, modos de vida que,
mesmo inconscientemente vividos e disseminados têm origem na intercalação do
processo cultural entre o branco e o indígena. No entanto, nessa cultura, por mais
que seja negado, prevalece fortemente impregnado o aspecto do culto indígena,
em especial nas atividades agrícolas, em que o cultivo de produtos originários
das vivências Tapuia Paiacu.
É inegável o quanto a carga cultural
da etnia que vivia na aldeia às margens do Rio Pody e da Lagoa Itaú no século
XVII, em sua forma originária e, que ainda prevalece na sua ascendência atual
influencia os discursos no meio social e político. Não obstante às atitudes de
negação da existência do povo é comum ouvir de prefeitos, vereadores e demais políticos
e gorvernantes, constantemente a frase: “APODI, TERRA DOS TAPUIAS PAIACUS”.
Apesar do processo de aldeamento
em Portalegre, quando grande parte do povo Paiacu foi levado àquela serra por
volta de 1760, é importante que saibamos que uma boa parte de índios permaneceu
trabalhando na Paróquia, fundada pela Missão de São João Batista e em casas de
famílias. Houve também casamentos de índias com brancos, o que jamais elimina
por completo a genealogia descendente da referida etnia. E é isto que garante a
permanência da ideia de que estamos sim situados na “Terra dos Tapuia Paiacu”.
Além do mais, Apodi surge a
partir da Aldeia Paiacu, situada às margens da Lagoa do Apodi - nome atual – basta olharmos a localização da
Igreja Matriz, das construções antigas que formaram o Centro da Cidade, a antiga
feira e tudo que foi historicamente construído muito próximo das margens da
lagoa, onde estava situada a taba indígena, com diversas palhoças (casas de Paiacu).
É bem verdade que até pouco tempo
não tínhamos nenhuma análise mais profunda sobre essas informações porque o
homem que se diz “branco” descendente de europeu e detentor do domínio político
foi quem se encarregou, estritamente de contar a história. Apodi, ouviu e
divulgou alardeadamente a história das famílias brancas. Ninguém, quase nunca
se deu conta de que nossa população é mais parda do que branca; de que nosso
povo é culturalmente voltado para costumes e devoções que misturam fortemente a
superstição xamã às crenças cristãs. E também não tivemos uma análise mais aprofundada
de que tudo isso foi feito em cumprimento ao que se pensou fazer com base na
ideia de que era possível “embranquecer a sociedade”.
Enfim, Apodi chega ao momento de
sua emancipação em 1833, quando esta foi requerida e a sua confirmação em 23 de
março de 1935, com a carga do silenciamento ocorrido pelo massacre de 1825 na
Serra de Portalegre quando foram mortos dezenas de índios de uma só vez em um fuzilamento
sangrento e covarde, com famílias indígenas em quarentena (a palavra da moda no
momento), em suas casas, para que nunca mais saíssem ao convívio social, mesmo
sabendo de sua identidade.
É novidade, porém é aceitável
historicamente, basta pesquisarmos os diversos estudos que indicam a prevalência
de indígenas em toda a nossa região: o povo Paiacu ainda existe, não foi
eliminado, as suas raízes estão vivas, até no discurso popular. O assunto vem à
tona a partir de 2013, quanto o Centro Histórico Cultural Tapuias Paiacu da
Lagoa do Apodi (CHCTPLA) foi fundado por Lúcia Paiacu Tabajara (nome oficializado
a partir de análise jurídica da Comarca de Apodi), hoje liderança do povo
Paiacu do Apodi, grupo reconhecido pela FUNAI como uma das comunidades indígenas
do Rio Grande do Norte, estado que teve negação da existência de povos indígenas
até o ano de 2005, quando estudos realizados por antropólogos abriram espaços
para uma nova compreensão sobre esta temática.
O CHCTPLA, formado estritamente
por pessoas que têm relato de pertencimento ao povo Paiacu, vem desejar
parabéns à nossa cidade, ao nosso lugar de origem, congratular a sua
emancipação política, mas, sem esquecer que é POLITICAMENTE que tendemos a ser
NEGADOS. Sim, pois, apesar da frase “Terra dos Tapuias Paiacus”, saída tantas
vezes das bocas de governantes, famílias que compõem esta entidade são olhadas
atravessadas, com desconfiança e com a propagação de pensamentos que contrariam
a preservação identitária, étnica e cultural.
Estamos no processo de construção
de um museu, hoje situado em prédio que até bem pouco tempo era abandonado,
mas, pertencente ao PODER PÚBLICO ESTADUAL. A sua reforma para a transformação no
Museu Luiza Cantofa tem sido lenta, pela falta de recursos, pois o povo associado
à entidade é de família pobre – sim, as famílias Paiacu de Apodi, desde o
início, permaneceram pobres – e isso faz com que tudo se torne muito difícil. Ultimamente,
a única ajuda recebida é de um voluntário, também descendente do povo Paiacu que reside fora do Brasil, um empresário
que conseguiu o sucesso empresarial e hoje auxilia com doações para a reforma
do prédio, juntamente com outras pessoas de Apodi, que também contribuem para que
um dia possamos ter um lugar para expor nossa história.
Enquanto isso não ocorre, estamos
aqui, torcendo por nosso lugar de origem, mas, conscientemente relembrando que
a “Terra dos Tapuias Paiacus” não é apenas uma frase que serve de recurso estilístico
ao discurso. Há mais verdade nisso do que o enfeite.
PARABÉNS MEU APODI, PELOS 185
ANOS.
Por Mônica Freitas
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