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quarta-feira, 22 de abril de 2020

Em quem você confiaria mais: Luiz XIV ou Bolsonaro?


Ilustração na postagem no Facebook do professor. 


A análise é do professor DR. SEVERINO CABRAL FILHO, que escreve: 


Entre "a constituição sou eu", de Jair Bolsonaro, e "o Estado sou eu", de Luís XIV (1638-1715; reinou de 1643 a 1715), há diferenças de vários níveis. Discorrer sobre os dois personagens em seus devidos contextos históricos deixaria essa postagem demasiadamente longa, mas quero deixar claro que não há registro histórico que comprove que Luís XIV tenha proferido a famosa frase. Tentarei ser sintético.
Nós, brasileiros, fazemos piada de tudo. E muitos de nós aproveitamos essa 'deixa' para associar os devaneios imperiais de Bolsonaro com a experiência histórica do Absolutismo francês sob Luís XIV.

Mas não se deve brincar com a História. Não há como comparar Bolsonaro a Luís XIV a não ser como piada de mau gosto.

Luís é tido e havido pelos historiadores como o arquétipo do rei absolutista: esclarecido; amante da guerra e das artes: guerreiro e bailarino ao mesmo tempo; hábil administrador e estrategista. Muito vaidoso (quem não seria em sua posição?), mas também político habilidoso, o "rei Sol" foi o primeiro monarca moderno a ordenar a construção de sua imagem pública usando para tanto todos os meios midiáticos e artísticos disponíveis em seu tempo - no que foi imitado pelos seus rivais na Europa e fora dela -, conforme o excelente livro "A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV", do historiador Peter Burke.

Luís elevou a França, suas riquezas, sua educação, sua arte, sua cultura, as relações entre Estado e sociedade; mandou edificar obras eternas, verdadeiros patrimônios culturais do Mundo (basta citar o Palácio de Versailles como referência); um mestre na auto propaganda. Como era ainda comum à época, Luís XIV massacrou impiedosamente os seus inimigos. No entanto, Luís XIV não podia tudo, como às vezes deixa transparecer a ideia de "rei absolutista".

Perry Anderson, um dos mais destacados historiadores do século XX, escreveu "Linhagens do Estado Absolutista", livro que é considerado pela crítica historiográfica uma das melhores obras acerca do absolutismo ocidental. Aqui, Anderson apresenta, cristalinamente, quais os limites do Absolutismo e, portanto, do rei absolutista: "A monarquia absoluta no Ocidente esteve sempre, de fato, duplamente limitada: pela persistência de corpos políticos tradicionais abaixo dela e pela presença de um direito arqui-moral acima dela", ou seja, as cortes (ou os parlamentos) e o sistema de justiça à época impediam que a vontade absoluta, pessoal, do rei, desconsiderando os interesses do Estado, se realizasse em detrimento da sociedade. Trata-se, pois, de um absolutismo mais retórico que real.

Vamos a Jair Bolsonaro. Militar de carreira, chegou à patente de capitão do Exército brasileiro, de cuja força foi convidado a se retirar por "práticas incompatíveis com a honra militar" (essa é uma das razões mais recorrentemente lembradas, de acordo com o seu rumoroso processo de expulsão da Força onde, por razões pouco claras, o capitão, ao invés de ser expulso, acabou sendo compulsoriamente reformado). 

Um mau militar, de acordo com a avaliação insuspeita do ex-presidente da República General de Exército Ernesto Geisel.

Um deputado federal que, em quase três décadas de sucessivos mandatos, jamais fez ou propôs algo relevante para o País. Baixíssimo clero, uma piada entre os seus pares.
Foi eleito presidente da República numa circunstância completamente atípica (pano para mangas de muitas dissertações e teses).

Defende, abertamente, a tortura e os torturadores. Sugeriu uma ditadura que matasse pelo menos 30 mil brasileiros. É alucinado por armas de fogo.

Tem feito uma "gestão" do Estado brasileiro cuja política externa está completamente submetida aos interesses dos EUA sem qualquer contrapartida, sem que se observe o princípio da reciprocidade entre as nações, como sugerem as boas práticas diplomáticas contemporâneas.

Incapaz de um discurso articulado, manifesta-se, prioritariamente, por meio de redes sociais, onde é apoiado por pessoas reais, zumbis e robôs. Odeia a crítica de qualquer matiz. Não é um homem confiável; os seus apoiadores de primeira hora e que se viram defenestrados do seu governo e de suas relações que o digam.

Despreza a ciência e os cientistas, com quem briga quase todos os dias. Nutre um ódio indisfarçável pela universidade pública. Nutre um ódio indisfarçável pelo conhecimento. É homofóbico, já revelou-se racista e misógino. Há indícios de fortes ligações suas e dos seus filhos com as milícias do Rio de Janeiro.

Agora, durante a pandemia do Coronavírus, tal qual um genocida, coloca a população brasileira sob grande risco ao desprezar as práticas preventivas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde; práticas adotadas por quase todos os governantes da Terra.

Ele rebela-se contra os poderes constitucionais. Declara guerra diária ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal.

Sim, Bolsonaro proferiu a frase "a constituição sou eu". Uma lástima!


Dr. Severino Cabral Filho - Universidade Federal de Campina Grande(UFCG)

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