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sábado, 22 de setembro de 2018

[CRÔNICA DO DIA] O CANSAÇO



Imagem ilustrativa

Um conhecido me encontra na rua e pergunta:
__ E aí, como vão as coisas?
Acostumada em saber que as coisas sou eu mesma, respondo:
__ Bem, tudo bem!
No trabalho, todos os dias escuto a mesma pergunta. A resposta é sempre a mesma. Às vezes, automática, sem sentido, apenas para cumprir a convenção do “pergunta e responde”. Uma forma de lançar uma lona preta no corpo que está estendido ao chão, morto pelo cansaço.
Aliás, esse tal cansaço é o mais dissimulado, hipócrita, divagador e peralta entre tantos fenômenos que o mundo dispensa à humanidade. Ele está sempre ali. Às vezes invisível, às vezes sombra e às vezes bem óbvio. E neste último caso, rir da cara de todos, faz chacota, dispara horrores. Mata até as palavras que dão vida. É um poderoso antídoto contra a paz interior. Além de efervescer multidões quando se fala de expulsar o que está dentro para fora.
Nestes tempos de hipocrisia, mentiras, espertezas e propagação da ganancia pelo poder, ele (o cansaço), esbagaça o discurso do mais astuto duende da linguagem. Ele se transforma em um soberbo gigante do pé grande, igual os que atuavam como feiticeiros nos contos maravilhosos. Quando chega em lugares de gente menor, só um “pisão” mata milhares de vozes.
Mesmo que em meio àquela multidão haja um mágico ou uma fada madrinha, a cena que se consegue visualizar é do minúsculo ser humano sendo apertado por cinco dedos de um gigante mau.
Às vezes eu vejo uma serpente falando com Eva e Adão.
O Cansaço é também um Anticristo. Ele confronta todas e até outras bem-aventuranças do Pai, do Filho e do Espírito. Troca amor por ódio, vida por morte, paz por guerra, PERDÃO por CONDENAÇÃO. Cristo muda seu percurso inteiro. Nem teve vida e nem morte. E o que é do céu muda de lugar.
Só que ninguém nota. A lona escura que o encobre torna o produto da sua alma imperceptível. Como disse, é dissimulado. E sua função principal é cansar a todos, até conseguir a façanha de enobrecer e fazer permanecer a razão do mundo.
Sou e tenho como certo que serei sempre sua presa. Embora tenha conseguido fugir de algumas de suas investidas, em silêncio.  Falar, às vezes não adianta. A voz fica rouca, quase nem se escuta. E a voz dele é estridente, arrogante, profunda, conforme seus objetivos; portanto, metamórfica. E sendo assim, muito compreensivo perceber os que o seguem, muito bem cansados.
Até aqui vou fugindo dele. Estou escondida em meio a um arsenal de símbolos que não me protegem, antes me atiçam. Os cutucões quentes que perfuram até a alma, os gritos que confundem, as imagens que estarrecem e a crônica diária que vai sendo contada pela natureza das coisas, de vez em quando me chama, pede socorro. Eu apenas olho, penso no cansaço e me calo. É que ficar imóvel e em silêncio evita-o.
A preguiça, nesse sentido, é muito melhor. Passa voando, não se prende ao chão e ajuda a fugir do pé do gigante, é mais saudável e benéfica, salva a vida.
Depois de um olhar e um sorriso sem gosto lançado ao conhecido, sigo em frente respondendo todas as outras perguntas que vão sendo enunciadas pelos demais, com aquele famoso e dissimulado:
__ Bem, tudo bem!
E em casa, durmo. 

Por Mônica Freitas

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