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Imagem ilustrativa |
Um
conhecido me encontra na rua e pergunta:
__ E
aí, como vão as coisas?
Acostumada
em saber que as coisas sou eu mesma, respondo:
__ Bem,
tudo bem!
No
trabalho, todos os dias escuto a mesma pergunta. A resposta é sempre a mesma. Às
vezes, automática, sem sentido, apenas para cumprir a convenção do “pergunta e responde”.
Uma forma de lançar uma lona preta no corpo que está estendido ao chão, morto
pelo cansaço.
Aliás,
esse tal cansaço é o mais dissimulado, hipócrita, divagador e peralta entre tantos
fenômenos que o mundo dispensa à humanidade. Ele está sempre ali. Às vezes
invisível, às vezes sombra e às vezes bem óbvio. E neste último caso, rir da
cara de todos, faz chacota, dispara horrores. Mata até as palavras que dão
vida. É um poderoso antídoto contra a paz interior. Além de efervescer multidões
quando se fala de expulsar o que está dentro para fora.
Nestes
tempos de hipocrisia, mentiras, espertezas e propagação da ganancia pelo poder,
ele (o cansaço), esbagaça o discurso do mais astuto duende da linguagem. Ele se
transforma em um soberbo gigante do pé grande, igual os que atuavam como
feiticeiros nos contos maravilhosos. Quando chega em lugares de gente menor, só
um “pisão” mata milhares de vozes.
Mesmo
que em meio àquela multidão haja um mágico ou uma fada madrinha, a cena que se
consegue visualizar é do minúsculo ser humano sendo apertado por cinco dedos de
um gigante mau.
Às vezes
eu vejo uma serpente falando com Eva e Adão.
O Cansaço
é também um Anticristo. Ele confronta todas e até outras bem-aventuranças do
Pai, do Filho e do Espírito. Troca amor por ódio, vida por morte, paz por
guerra, PERDÃO por CONDENAÇÃO. Cristo muda seu percurso inteiro. Nem teve vida
e nem morte. E o que é do céu muda de lugar.
Só
que ninguém nota. A lona escura que o encobre torna o produto da sua alma imperceptível.
Como disse, é dissimulado. E sua função principal é cansar a todos, até
conseguir a façanha de enobrecer e fazer permanecer a razão do mundo.
Sou
e tenho como certo que serei sempre sua presa. Embora tenha conseguido fugir de
algumas de suas investidas, em silêncio. Falar, às vezes não adianta. A voz fica rouca,
quase nem se escuta. E a voz dele é estridente, arrogante, profunda, conforme
seus objetivos; portanto, metamórfica. E sendo assim, muito compreensivo
perceber os que o seguem, muito bem cansados.
Até
aqui vou fugindo dele. Estou escondida em meio a um arsenal de símbolos que não
me protegem, antes me atiçam. Os cutucões quentes que perfuram até a alma, os
gritos que confundem, as imagens que estarrecem e a crônica diária que vai
sendo contada pela natureza das coisas, de vez em quando me chama, pede socorro.
Eu apenas olho, penso no cansaço e me calo. É que ficar imóvel e em silêncio
evita-o.
A
preguiça, nesse sentido, é muito melhor. Passa voando, não se prende ao chão e
ajuda a fugir do pé do gigante, é mais saudável e benéfica, salva a vida.
Depois
de um olhar e um sorriso sem gosto lançado ao conhecido, sigo em frente
respondendo todas as outras perguntas que vão sendo enunciadas pelos demais,
com aquele famoso e dissimulado:
__
Bem, tudo bem!
E em casa, durmo.
Por Mônica Freitas
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