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domingo, 19 de abril de 2015

E POR FALAR EM ÍNDIO...Uma reflexão sobre a a história

A mente está fértil das leituras registradas na memória e o dia é oportuno; e a junção destes dois fatos fazem incomodar-me o espírito, especificamente com certos comentários escutados e lidos recentemente, particularmente a respeito da luta das famílias Tapuias Paiacus do Apodi pelo reconhecimento e pela reconstrução da identidade cultural. 

Ora, tratar da história indígena no Brasil, por si só já é um fazer complexo, não é aceitável em nenhum momento que se olhe os fatos de forma superficial, e se saia por aí fazendo comentários que muitas vezes somente têm base na ambição particular, no engodo partidário e politiqueiro e na falta de conhecimentos reais da história, das pesquisas mais recentes acerca da concepção que se deve ter do índio neste século XXI. 

O primeiro ponto que não se pode deixar nunca de considerar é que o índio brasileiro foi personagem antagônico da colonização europeia em nosso território e sendo nativo, era também desprovido das evoluções históricas da humanidade que já ocorriam em algumas comunidades da Europa, além de também não saberem os reais motivos da chegada do povo europeu por aqui, apesar de acharem estranho aquele homem branco, diferente, vestido e com costumes totalmente inversos aos seus. 

Mas, o que mais marcou na história dos nossos nativos foi a ausência da paz que começou a reinar depois da chegada do português nos aldeamentos brasileiros. Quem tiver dúvidas do que escrevo pode se embrenhar na leitura do livro Índios no Brasil, organizado por Luís Donizete Benzi Grupioni, que traz um conjunto de textos escritos por diversos historiadores sobre esses personagens históricos e muitas outras obras que tratam do assunto, incluindo-se neste conjunto estudos bem atuais, de 2012, 2013 e 2014.

As revelações de massacres, da elaboração de ordens e decretos judiciais em detrimento da ambição dominativa sentida e cultivada pelo colonizador, dos episódios sanguinários e das atitudes de negação aos direitos dos povos indígenas ao longo da história são fatos inegáveis que registram o quanto este povo sofreu, teve que guerrilhar e muitos morrerem lutando para terem o direito de permanecerem em seus locais de habitação. A maioria não permaneceu, foi expulsa das terras e obrigada até a mudar o sobrenome, casar com brancos do grupo de colonizadores, construir casas à moda portuguesa e ser escravizado culturalmente, com todos os direitos negados até a morte. Nestes casos, ocorreu o fenômeno do "desaldeamento". Grupioni (1994, p. 22) deixa claro que são as descobertas absurdas sobre "A violência cometida contra populações nativas e a preocupação com sua preservação que têm levado, por sua vez, a mobilização na área científica". E esta mobilização nada mais significa do que a busca pelos reais fatos que podem servir para a reconstrução da história. E para isto, não vale apenas estudos sobre o que está registrado, mas pesquisas que se fundamentam em relatos orais.

Quando a pesquisa se volta para as populações indígenas do Nordeste brasileiro, os fatos absurdos, os massacres, a negação de direitos é cada vez mais aprofundada porque a ordem era dizimar os indígenas, mesmo que fosse na historiografia. E assim se sucedeu. Tanto que hoje, é possível se ouvir dos próprios nordestinos, às vezes sem saber do que falam, que não veem indígenas na região. Isto ocorre em nosso município. 

João Paulo de Melo Silva, pertencente ao povo Potiguara da 
Comunidade Indígena Amarelão do município de João Câmara (RN), 
premiado do edital "Comunica Diversidade 2014, 
Edição Juventude" do Ministério da Cultura. 

Um fenômeno que se baseia equivocadamente na concepção de que os índios da região foram exterminados. Mas é aí que se olha para os relatos orais e veem-se as discrepâncias. Como os índios do Apodi ou do Rio Grande do Norte, os Tapuias Paiacus ou Potiguaras foram totalmente exterminados se há pessoas que relatam suas descendências indígenas, que contam fatos e episódios que foram repassados no seio familiar de geração a geração, que guardam até hoje artefatos utilizados pelos antepassados dentro de suas casas e com isso comprovam uma remanescência viva? 

Além disso, não é mais possível se conceber, em pleno século XXI, que o índio como ser humano que é, permaneça andando nu, que viva em aldeamentos isolados e longe de evolução tecnológica e científica a qual vive a maioria da população planetária. Seria uma segunda avalanche de negações de direitos. Ainda mais quando já se tem a certeza de que a dispersão indígena ocorrida em partes do território nacional foi determinada por leis e decretos imperiais. Conclui-se que o índio pode e deve participar de tudo, estudar, se formar, se graduar, enfim, ser tratado igualmente como as outras etnias.


Primeira turma composta só por índios.
Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica
 pela Universidade Federal de Santa Catarina. 


Primeiro índio Doutor pela UnB.
Doutorado em Linguística para indígena.

No município de Apodi, por exemplo, existem sim famílias que são fortemente ligadas á cultura dos seus ancestrais, pessoas que até hoje foram obrigadas, a maioria pelo preconceito do qual têm medo, outras pelo fato de não conhecer a importância de reconstruírem suas identidades, e ainda outras por temor de presenciar as humilhações e massacres vividos e conhecidos através de relatos de pessoas que fizeram parte de sua genealogia e que repassaram informações ao longo da vida familiar.  





Fotos representam as imagens de reuniões
com famílias indígenas no CHCTPLA


O certo é que nosso Estado e nossa região, apesar da violência cometida contra os povos indígenas, nos últimos anos tem tentado reconstruir a história do povo tapuia que aqui nasceu, viveu e ainda vive. Mas, é também importante compreender que, para essa reconstrução, clichês e compreensões genéricas devem ser evitadas. Duas colocações muito comuns não devem ser consideradas: “Não há indígenas em Apodi” e “Todos os apodienses são remanescentes”. Estas colocações são equivocadas porque, dizer que negar a remanescência viva é negar a presença nativa em nosso território e achar que todos são remanescentes é negar a presença de famílias portuguesas natas na região.


Cacique Luiz Katu - Comunidade do Amarelão - João Câmara/RN.
Referência na luta pelos direitos indígenas no RN


O que deve se deve considerar são os traços culturais, os relatos orais e a autoafirmação consciente como dado de identificação do pertencimento ao povo Tapuia Paiacu. E isto, já é algo real feito pelo Centro Histórico Cultural Tapuia Paiacu da Lagoa do Apodi (CHCTPLA), através de um trabalho árduo, difícil e lento idealizado pela índia tapuia autodeclarada Lúcia Maria Tavares, presidente do Centro Histórico, auxiliada pela vice-presidente da entidade Mônica Freitas e de Isaac Torres, todos autodeclarados como remanescentes tapuias.

A base teórica da entidade está situada na ideia de que os povos indígenas se revelam na “As sociedades indígenas compartilham de um conjunto de traços e elementos básicos, que são comuns a todas elas e as diferenciam de sociedades de outro tipo” (GRUPIONI, p. 18). E os costumes, heranças culturais, traços da história familiar é o que se insere nesse contexto para afirmar a descendência. Em suma, não se pode dizer que os índios Paiacus do Apodi não existem mais, que não há remanescência. Todavia, não se pode afirmar que toda a nossa sociedade é remanescente. É preciso guardar traços históricos e indícios seguros da etnia.

Por Mônica Freitas 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 

GRUPIONI. LUÍS DONISETE BENZI. (Org). Índios no Brasil. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1994.


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