A
canção “Sangue Latino”, umas das mais marcantes composições da icônica banda
brasileira Secos e Molhados, ilustra bem a pesarosa realidade vivida pelos
povos deste subcontinente, em particular a árdua condição de ser índio. Desde
que os europeus chegaram ao continente americano, os povos indígenas foram
lançados à luta pela sua sobrevivência, física e cultural, sendo sempre
tratados como inferiores, pensamento esse que ainda persiste, gerando
estereótipos e preconceitos que prevalecem na mentalidade grande parte da
população.
Quando aqui se estabeleceram, os portugueses
logo recorreram à mão de obra dos povos nativos. O indígena, não inserido na
lógica mercantilista do colonizador, passou a ser visto como “preguiçoso” e
“ineficiente” pois não compreendia o exercício do trabalho como acúmulo de
riqueza e sim como atividade necessária para a sua sobrevivência (caçar,
pescar, plantar, coletar, etc.) A ideia do “índio ocioso e vadio” ainda é muito
comum na nossa sociedade, a tal ponto da muitas pessoas afirmarem que os índios
são “sustentados” pelo Estado, pois este lhes provê uma série de “privilégios”,
como a demarcação de terras. Tal afirmação, que soa minimamente absurda,
contraria todos os princípios indígenas de resistência e autonomia. As
demarcações de terra são nada mais que o reconhecimento de uma posse
territorial milenar, usurpada pelos colonizadores e posteriormente pelos
agropecuários, sendo uma legítima reparação de uma dívida histórica para com a
coletividade indígena, assim como as cotas étnicas.
Um estereótipo muito comum é a ideia de
encarar os índios como um povo homogêneo. Levar tal proposição em consideração
é alarmante pois significa desprezar uma pluralidade de culturas que abrange
mais de 300 idiomas, que carregam diversas tradições e conhecimentos e
riquíssimas expressões artísticas. Muito comum também é a noção de
“desindigenização”: muitas pessoas argumentam que os índios “estão deixando de
sê-lo” pois já não vivem mais como os seus antepassados, falam português,
possuem acesso à tecnologia e ingressam nas universidade. Ora, todos podemos
evoluir. Por que negar ao indígena esse direito? Ainda possuímos a arcaica
visão de que um índio para se assumir como tal necessita adotar o estilo de
vida pré-colombiano, o que é uma grande falácia.
A perseverança da ideia que a sociedade
indígena é ultrapassada e retrógada, enclausurada em si mesma, leva a malfadada
ideia de que os povos indígenas não podem contribuir para a sociedade. A
afirmação é refutada pela nossa própria vivência cotidiana na qual constatamos
a influência indígena em diversos aspectos, como na alimentação (comemos milho,
mandioca, peixe, etc.), nos hábitos (dormirmos na rede) e na língua (muitas
palavras possuem origem indígena). Muitos conhecimentos, sobre doenças, ervas
medicinais, plantas, animais, geologia, clima, entre outros estão presentes nas
tradições dos povos nativos. Belíssimas histórias, poemas e epopeias estão
presentes nas centenas de línguas. Tudo isso demonstram o precioso legado
indígena à sociedade brasileira, o que não exime os índios de contribuírem
ainda mais para o desenvolvimento do nosso país, provando que estes não
constituem uma civilização “inferior”.
Inegável é a importância do indígena na
formação e desenvolvimento do povo brasileiro. Durante séculos, este foi
marginalizado pelo Estado e pela sociedade, constituindo uma das minorias que
mais sofreram com a indiferença do poder público e o preconceito generalizado
na sociedade, dificuldades que ainda enfrentam. É imprescindível que se realce
a positiva influência do índio no nosso país, retificando assim a distorcida
visão sobre a cultura indígena fomentada desde a colonização, em que o índio
vem lutando pelo direito de “ser” índio. Reconhecer a multiculturalidade do
Brasil é reconhecer que o povo brasileiro é uno na diversidade.
O texto é de Pedro Duarte Costa
Aluno do 2º ano de Eletrotécnica do IFRN - Campus Mossoró.
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