Se formos nos deter em estudar a história de
diversos municípios da região do médio e do alto Oeste Potiguar, não há como
não aparecer o nome que é dado hoje ao nosso município, Apodi. E isto ocorre
porque, quando se iniciou o processo de colonização do sertão do Rio Grande - como
era chamado o território da capitania do nosso Estado no século XVII –, a
Missão do Apodi era única dos sertões entre cinco que já haviam sido
implantadas em todo o território, só que no litoral.
Outra palavra que não falta nessa história é a
que identifica a tribo que aqui vivia, a dos índios paiacus. A referida missão
foi fundada em 1700. Segundo Monteiro (2010, p. 59), os jesuítas trabalhavam as
suas atividades “em meio às lutas que se travavam entre os conquistadores portugueses
e os aguerridos indígenas do sertão, que resistiam à tomada de suas terras e à
sua escravização pelos brancos”.
As lutas às quais se refere Monteiro (2010)
eram batalhas provenientes de uma guerra que os colonizadores preferiram chamar
de “Guerra dos Bárbaros”. O fato é que, pelo que se observa, a missão jesuítica
e a colonização nos sertões do Rio Grande do Norte se iniciaram por volta de
1.680 e teriam como prazo para finalização dessa primeira fase o ano de 1712.
Sendo somente iniciada no ano de 1734, por uma outra ordem religiosa, a dos
Capuchinhos. Esta foi extinta pela coroa portuguesa em 1761. A extinção atendeu
aos pedidos dos criadores de gado locais, que acusavam os índios de roubo. No entanto,
os relatos históricos deixam fortes marcas de que havia mesmo era uma inquietação
dos colonos com as constantes rebeliões indígenas que ocorriam devido a cobiça daqueles
pelas terras às margens da grande lagoa que havia dentro das terras da missão,
a conhecida Lagoa do Apodi.
Nesse primeiro desdobramento, podemos nos
inteirar de que os objetivos de colonizar o sertão do Rio Grande do Norte se
iniciou no território apodiense e que os índios paiacus estiveram o tempo todo
participando enquanto personagens dessa história. No percurso da missão, haviam
sempre batalhas envolvendo índios e colonos. Os primeiros defendendo seu
direito à terra que já habitavam; os segundos tentando invadir essas terras, pelo
fato de verem nelas a possibilidade de estabelecer suas atividades
agropecuárias para fins de enriquecimento.
Nesse percurso da missão jesuítica pelo sertão
do Rio Grande, mais precisamente pela região do médio e alto Oeste, se inseriam
outros territórios que hoje abrigam diversos outros municípios. Toda a região
serrana também fazia parte. A serra, que na época foi denominada de “Cabeços do
Pody”, e que em outros momentos recebeu o nome de “Serra dos Dormentes”, hoje
denominada de “Serra de Portalegre” era também espaço territorial envolvido no
percurso da missão.
Portalegre, estava lá como território, no desenrolar dos anos de 1680,
quando Manoel Nogueira Ferreira e sua família chegam às terras do Apodi para
desbravá-las. A família Nogueira foi a primeira a ser beneficiada com as Sesmarias
que demarcavam as terras desde Assu a Apodi. Com ele vinham “seu irmão João
Ferreira Nogueira, Baltazar Nogueira e mais doze posseiros” (DIAS, 2010, p.
17). Neste momento, a Ribeira do Apodi, que fazia parte da missão, e era
denominada desta forma pelo fato de que os colonos sempre tinham preferência por
terras situadas nas encostas das ribeiras. Era relevante ter água e terra
fértil para a lavoura e a criação do gado (LOPES, 2003). Apodi tinha tudo isso.
Porém, nos períodos de grandes enchentes,
observando-se o cotidiano dos índios, eles subiam às serras, para fugir das
águas que invadiam todo o território baixo (SOUZA, 2007). A serra, Cabeços do
Pody era uma das que compunham esse trajeto. Por isso, foi usada pelos colonos
também. Além de ser um território onde haviam terras férteis, tinha um olho d’água
e por isso servia para plantação e criação de gado e deste fato nasce o desejo
de conquista dos colonos, havia ainda a condição de fuga que urgia à família Nogueira,
devido aos conflitos com os indígenas. Manoel Nogueira almejava mais terras e fugir
do ambiente hostil, portanto subiu “a serra dos Cabeços do Pody no intuito de
procurar um local tranquilo onde pudesse finalmente restabelecer suas posses
para criar e plantar” (DIAS, 2010, p. 18). No mapa abaixo, podemos observar
todo o contexto territorial envolvido na missão de colonização portuguesa:
Mapa – Os marcos da colonização portuguesa na Serra de Portalegre.
Fonte: Dias, Thiago Alves. Do livro: Portalegre do Brasil:
História e Desenvolvimento, 2010.
É possível visualizar no mapa, a localização
das ribeiras setecentistas. Vemos de forma evidente “a Ribeira do Apodi com seu
principal rio e afluentes, assim como, a localização dos 'Cabeços do Pody'” (DIAS,
2010, p.18). Essa condição da Serra de Portalegre rendeu ao território a
criação de uma vila, composta por colonos e índios.
O fato é que, a Serra dos Dormentes, que por
volta de 1730, foi requerida pelos herdeiros de Manoel Nogueira, em que consta
os nomes de Margarida de Freitas, Antonia de Freitas e registros de que outros
membros da família residiam na tal vila que ora evoluía na serra. Houve
retomada ao se oficializar a sesmaria, uma vez que nesta época a maior
população ali naquelas terras era dos “pegas”, denominação de um dos subgrupos
tapuias. As terras foram retomadas com auxílio dos paiacus e ao que indicam os
documentos, tanto com fontes oficiais e não oficiais, destes citam-se os
impressos nos manuscritos de Nonato Mota, há indícios de que toda a Ribeira na
qual atuava a missão colonizadora estavam envolvidos os territórios de Apodi e
Portalegre.
A Vila de Portalegre foi uma das primeiras a ser criada no Estado do Rio Grande do Norte. Segundo Lopes (2010) a fundação de
vilas no Rio Grande do Norte teve início em 17 de julho de 1760, foram criadas
inicialmente duas vilas, sendo a de Extremoz e a de Arez. Segundo Dias (2011) das
sete vilas primeiras, algumas destas originadas de aldeamentos indígenas: Vila
de Extremoz (1760), Vila de Arez (1760), Vila de Portalegre (1761), Vila de São
José do Rio Grande (1762) e Vila Flor (1769); outras duas ordenadas a partir de
núcleos onde viviam colonos luso-brasileiros, nestas se inserem a Vila nova da
Princesa (1766) e a Vila Nova do Príncipe (1788).
É dessa confirmação de criação das primeiras
vilas, em que Portalegre aparece como uma das primeiras vilas, e sendo um
território envolvido na missão de colonização da Ribeira do Apodi, o espaço em que hoje está fixado o município de Apodi, na época era pertencente à Vila
de Portalegre. Segundo Dias (2010) um dos fatos que fica claro neste contexto
da criação das primeiras vilas do nosso Estado, é que, sendo característico da
época da colonização, que se criando a vila criava-se também o município,
Portalegre foi então politicamente fundado em 1761, e não em 1738, como diz o autor, que é
comemorado atualmente.
Já no que se refere ao município de Apodi, no
ano de criação de Portalegre, era um povoado. Dias (2010) fundamentado em Gomes
(1998) em sua tese de Doutoramento, deixa muito claro que o município de Apodi
foi desmembrado de Portalegre no ano de 1833.
Com o passar do tempo
as novas povoações e localidades que vão se formando, realizaram sua
emancipação política e territorial de Portalegre, ainda no período imperial se
emancipam que significa deixar a jurisdição de Portalegre, as localidades de
Apodi (1833), Martins (1841) e Pau dos Ferros (1856) se tornando municípios e
gerando novas localidades (DIAS, 2010, p. 102).
Outro pesquisador da nossa história, que também
deixa claro esse acontecimento é Nonato Mota em um de seus manuscritos. Guerra (1995)
utilizando-se das informações de um dos textos daquele historiador esclarece
que o crescimento do lugar foi possível após a vinda de um dos padres jesuítas
de nome Felipe Bourel. Foi este que fundou a Missão de São João Batista na
Aldeia do Podi[1].
O objetivo desta ação era catequizar os índios Tapuias Paiacus e Janduis. O ano
de elevação de Apodi à categoria de Vila foi 1833. Porém, a confirmação é dada pela lei
provincial nº 18 de 23 de março de 1835, já a mudança para a categoria de
cidade foi consolidada pelos termos da Lei nº 988 de 5 de março de 1887.
Vemos, portanto, que há três datas a se
considerar. A primeira diz respeito à fundação da vila, que ao se fundamentar no
dito por Dias (2010), de que sendo vila já ocorre a elevação a município, Apodi se emancipou
de Portalegre no ano de 1833. A data de confirmação pela Legislação foi que
ocorreu em 1835 e a cidade foi fundada em 1887. As datas têm, nos últimos anos
sido bastante contestadas, não pela sua veracidade, mas por deixarem confusa a
real data da emancipação política de Apodi. A comemoração de tal fato, sempre
se dá com referência ao ano de 1835, mas já existe quem conteste, afirmando que
a data correta seria a de 1833.
Diante desses questionamentos, ao que parece, é
necessário que o Poder Legislativo do município se pronuncie sobre o assunto,
visto que, seria, nesse caso, oportuno debater a interpretação mais adequada e
assim criar uma lei mais atualizada para fixar a data de aniversário do
município.
Por Mônica Freitas
17 de outubro de 2017
REFERÊNCIAS
DIAS, Thiago Alves. Dinâmicas mercantis coloniais: capitania do Rio Grande do Norte (1760-1821). Dissertação (Mestrado em História), fls. 274. Natal: UFRN, 2011.
_______. A invenção de uma emancipação que nunca existiu: Portalegre e o dia 29 de março de 1938. In: CAVALCANTE, Maria Bernadete; DIAS, Thiago Alves (Orgs). Portalegre do Brasil: história e desenvolvimento. Natal, RN: EDUFRN, 2010.
_______. Os marcos da colonização portuguesa na Serra de Portalegre (séc.
XVII a XVIII) A invenção de uma emancipação que nunca existiu: Portalegre e o
dia 29 de março de 1938. In: CAVALCANTE, Maria Bernadete; DIAS, Thiago Alves
(Orgs). Portalegre do Brasil: história e
desenvolvimento. Natal, RN: EDUFRN, 2010.
GUERRA, Valter de
Brito. Histórias e Vultos de Minha Terra.
Mossoró: Coleção Mossoroense Série C, Volume CCCXIII, 1995.
LOPES, Fátima Martins. A Vila de Portalegre: povos e instituições. In: CAVALCANTE, Maria Bernadete; DIAS, Thiago Alves (Orgs). Portalegre do Brasil: história e desenvolvimento. Natal, RN: EDUFRN, 2010.
_______. Índios, colonos e missionários na colonização da Capitania do Rio
Grande do Norte. Mossoró/ RN: Fundaçao Vungt-um Rosado, Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte, 2003.
MONTEIRO,
Denise Mattos. Portalegre: notas para uma história. In: CAVALCANTE, Maria Bernadete;
DIAS, Thiago Alves (Orgs). Portalegre do
Brasil: história e desenvolvimento. Natal, RN: EDUFRN, 2010.
SOUZA, Ana Cláudia Bezerra de. Aspectos da historiografia da cultura sobre o Brasil Colonial: In: FREITAS, Marcos César de. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2007.
[1] Segundo a tradição, o rio e a região
eram conhecidos pelo nome de Podi, em referência ao índio Potiguassu e, na
decisão jurídica a respeito da posse das referidas terras, a palavra Podi
passou a ser Apodi, por questão de pronúncia. In: <http://www.apodiatualizado.com.br/2010/01/sobre-apodi-rn.html> Acessado
em 09 de agosto de 2013.
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