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sexta-feira, 23 de outubro de 2020

ÍNDIO QUINHENTISTA NÃO, MAS ÍNDIO...

 


O Coletivo Indígenas do Vale do Ceará-Mirim vem por meio desta nota demonstrar todo seu repúdio às declarações racistas, equivocadas e negacionistas com relação à existência dos povos indígenas no Rio Grande do Norte, sobretudo aquelas que foram dadas recentemente contra membros individuais da comunidade, que resultou consequentemente em um ataque coletivo a todos nós, povos indígenas do Estado.

Muitas vezes é preciso explicar o óbvio, sobretudo para membros mal-intencionados e conservadores negacionistas da academia. Primeiro é preciso entender que sociedades se transformam, sobretudo quando existem fatores como guerras, violência e invasões, motivando inevitáveis mudanças em povos invadidos. Nós, indígenas e descendentes, estivemos, estamos e sempre estaremos aqui distribuídos em diversos povos e etnias. Quem espera encontrar indígenas apenas em ocas e pintados, sem mistura genética, falando apenas sua língua original, sem nenhuma interferência de outras culturas, sobretudo depois dos cinco séculos de etnocídio, é porque não conhece a violência (ou finge cinicamente não conhecer) do processo de colonização que visava eliminar, extirpar, tudo que não fosse branco, cristão e patriarcal da organização social do que estavam violentamente a construir. Esperar que indígenas vivessem hoje de forma intocada após esse intenso contato e violência seria o mesmo que esperar ainda que portugueses vivessem em casas sem tecnologia atual e viajassem apenas em caravelas, trajando roupas do séc. XVI. Culturas se transformam, ganham, trocam, perdem e nem por isso deixam de existir enquanto cultura, enquanto DNA, enquanto povo.

Qualquer escritor, estudioso, pesquisador, ensaísta, por mais prestigiado que seja, errou ao dizer que não existem mais indígenas no Estado do Rio Grande do Norte. Essa é uma visão conservadora, reducionista e etnocída. Serve apenas aos planos da colonização iniciados com a invasão europeia há 500 anos, que dividem para enfraquecer, que negam a existência para apagar. Indígenas não existem só na Amazônia, não apenas nas florestas isolados. Existimos em todas as regiões do Brasil, da Caatinga à Mata Atlântica, das cidades ao campo. Estamos em aldeias, em comunidades reconhecidas e, também, naquelas ainda não reconhecidas. Existem indígenas heterossexuais e, também, LGBTQI+, com pele clara e escura, com cabelos lisos e, também, cacheados, com fé e, também, ateus. Somos diversos, somos muitos. Indígenas vivem muitas vezes sem saber o que são, sem certeza sobre sua etnia, língua original, afinal, séculos de perseguição deixaram marcas severas. Poucos seguiram se autodenominando indígenas enquanto eram ameaçados de morte, considerados incivilizados, incultos, obscenos, inferiores, vulgares, sujos e “sem deus”. Não podemos esquecer que nessas terras aconteceu a chamada Guerra dos Bárbaros, talvez o maior massacre declarado em terras brasileiras cujo objetivo era eliminar por completo o povo originário da Terra. Até bandeirantes vieram do Sudeste para assassinar nosso povo na tentativa de cumprir o plano de extermínio total. Muitos padeceram, etnias inteiras sumiram, mas não foram todos que morreram, aqueles que sobreviveram encontraram alguma forma de fazê-lo, e a verdade é que seguimos existindo, mesmo menos organizados e em menor número do que antes.

Existem indígenas mestiços e, também, sem mistura racial. Muitos dos que hoje chamam de “pardos” não são negros ou brancos, como os sensos e algumas retóricas (também etnocídas) insistem; são, na verdade, indígenas que perderam o espelho para ver refletir o que de fato são. E, por isso, cada vez que um parente nosso volta a se classificar como indígena, cada vez que uma comunidade volta a se dizer indígena, um ancestral nosso revive e volta para casa com ele. O Brasil não se formou da mesma forma em todas as regiões, em alguns lugares a presença e contribuição brancas foram maiores, em outros, a negra. No RN, sem sombra de dúvida, a indígena teve (e segue tendo) um papel fundamental na formação genética e cultural do Estado. Claros vestígios dessa rica contribuição estão no comportamento, na culinária, na medicina tradicional, nos mitos, lendas e, também, na religiosidade do norterriograndense. Isso é cultura viva!

E para quem segue achando que a genética é a única forma de classificar um povo, segundo um estudo genético recente realizado por diversas universidades internacionais e publicado em 2017 no BWC Evolutionary Biology, mais de 50% do DNA mitocondrial das pessoas vivas do Rio Grande do Norte provém de ancestrais indígenas (distribuídos entre os haplogrupos A, B, C, D e X). Ou seja, grande parte de nossas mães ancestrais são indígenas e de etnias indígenas muito diversas. Novas evidências arqueológicas serão reveladas em breve com o devido cuidado e estudo, evidenciando e marcando ainda mais nossa presença no Estado do Rio Grande do Norte.

Mesmo esquecidos por governos, negligenciados pela elite branca, mesmo silenciados por retóricas etnocídas de diferentes grupos, repito: Estivemos, estamos e sempre estaremos aqui!

Como disse uma vez o guerreiro indígena Sepé Tiaraju: “Ko yvy oreko hara” – Essa terra tem dono!

Assinam conosco esse texto a APOINME (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo) e as comunidades indígenas: as comunidades indígenas Eleotérios do Katu através de seu representante Luiz Katu , os Potiguaras do Amarelão através de sua liderança Tayse Campos , a Aldeia Santa Terezinha através de sua liderança Dioclécio Mendonça, a Aldeia Serrote de São Bento através de sua liderança Rejane Batista e a Associação Indígena de Marajó através de sua liderança Kaline Bezerra Felipe. Todos assinamos juntos essa nota de repúdio contra o etnocídio e o racismo dessas declarações abomináveis! ✊🏹 Sonia Bone Guajajara Cadu Carlos Neide Akanguasú Novenil Frank Îagûara Hugo

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