A vulgaridade é lixa áspera em que me ralo toda. E a vulgaridade está comandando o momento. Tento entender como queimamos as pontes que nos ligavam a comportamentos mais elegantes.
Somos seres de rituais. Do café da manhã ao casamento, tudo é ritualizado. E cada rito é um combo que vem com seus próprios trajes e linguagem. Não participamos dos rituais com as mesmas roupas com que enfrentamos o batente. Nem com o mesmo espírito. Como um instrumento, o ritual exige embocadura.
Os juízes do Supremo usam togas, os padres usam batina, os generais usam fardas. Os trajes dizem do cargo. E, quando no cargo, quem os veste fala linguagens condizentes.
Mas o presidente fala à nação envolto na capa do barbeiro e com voz displicente diz inverdades ofensivas, enquanto o profissional faz seu serviço de tesoura cuidando para não encobrir o cliente. Não se trata de acaso nem descuido. A cena bem concebida faz parte da estratégia “gente como a gente”.
Produto dos tempos modernos, essa estratégia destina-se a falar diretamente com o eleitor que gosta de se ver representado ipsis litteris, quase como em uma caricatura, e busca entre os candidatos aquele que replica não só seus pensamentos como suas próprias atitudes, que diz frases de botequim como ditas diante do balcão. É o eleitor que ainda não assimilou o conceito de representação simbólica. E, ao que parece, há muitos.
Estratégia idêntica comanda frases como: “Os caras vão morrer na rua igual baratas, pô. E tem que ser assim”, em que o desleixe da frase veste de cores populares a ferocidade do conteúdo, e angaria seguidores a favor da “retaguarda jurídica”, porta aberta para os policiais matarem livremente.
É o mesmo princípio da propaganda que, em frases destinadas ao grande público, comete erros propositais de português para facilitar a identificação e garantir a aquisição do produto.
As redes sociais, veículo favorito do clã presidencial, aninham alto grau de estratégia e de vulgaridade. A estratégia mais frequentada consiste em mostrar-se melhor do que se é na realidade. Chama-se a isso “construir a imagem”. Arriscada arquitetura que põe na fachada somente o belo, e deixa o feio escondido, corroendo as estruturas –bom exemplo disso está na novela das nove, com a vilã construindo imagem impecável enquanto peca nas coxias. “Construir a imagem” tornou-se lícito, não sendo considerado imoral ou sequer expediente enganoso.
A vulgaridade vai por conta da exibição. No passado remoto em que fui educada, exibir-se ou gabar-se era deselegante. Hoje é dever de cada um, atalho certo no caminho que conduz aos tapetes vermelhos e aos milhões de seguidores. Fomos engolidos pela multidão, só ganha destaque e dinheiro aquele que consegue emergir. E todos os meios para isso são considerados válidos, legítima defesa contra a escuridão do anonimato. Mais brilha quem mais se exibe.
Tenho me perguntado para que porta-voz oficial se quem porta a voz do presidente é ele mesmo, galopando desenfreado no dorso do Twitter ou em situações nada oficiais. O palavreado chulo, grosseiro, que não faz questão de disfarçar o ódio, brota inesperado e nos cobre de vergonha.
As pontes para a elegância foram queimadas há tempos em favor do mercado, e progressivamente cada um queimou as suas. Parafraseando o poeta, a elegância é só um quadro na parede, mas como dói a sua ausência.
Marina Colasanti
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