Minha memória guardou um dado exposto pelo Sr. Martinho Andrade, à época coordenador da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no Rio Grande do Norte (RN) quando veio pela primeira vez a Apodi. Nos reunimos na parte de cima da Casa Paroquial, espaço cedido pelo Padre da Paróquia para que pudéssemos realizar a primeira reunião com a Fundação que protege os indígenas no Brasil. Dos que estavam presentes que eu lembro eram: Lúcia Paiacu, Eu, meu pai João Batista de Freitas, o Prof. Raimundo Tôrres e sua esposa Débora, entre outros, mas eram poucos. Naquele momento, um dos argumentos do representante da FUNAI foi exatamente expor que havia pesquisado as bases do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), para saber se realmente havia indígenas declarados no nosso município e havia encontrado o número de 17 indígenas.
É claro, que depois de muitas leituras acabei descobrindo que a metodologia aplicada pelo próprio IBGE não favorecia a autodeclaração. Naquele censo de 2010, para se autodeclarar indígena era preciso que o indígena já tivesse bastante esclarecimento sobre a importância da sua identificação ou tivesse um sentimento de pertencimento bastante aguçado para convencer o recenseador de que ele tinha obrigação de registrar sua autodeclaração. Infelizmente, ainda se vivia uma época de desconhecimento e estranhamento sobre autoafirmação e acredita-se que esses 17 indígenas autodeclarados naquele censo se tratavam de pessoas que aleatoriamente foram contados.
Hoje, após a grande luta travada por Lúcia Paiacu com a fundação do Centro Histórico, suas pesquisas, assim como as pesquisas realizadas por outros indígenas que também se autodeclararam seguindo sua inspiração, os dados são outros. Em 13 anos, o número de autodeclarados indígenas em Apodi aumentou 430%, de 17 pessoas, o censo de 2022 conseguiu contabilizar 731 pessoas da etnia Paiacu Tapuia no município de Apodi.
E
quem são esses indígenas?
São
os filhos da ancestralidade apodiense, os netos, os bisnetos, os tataranetos e
toda a extensão genealógica que tem histórico familiar que se vincula à
comunidade Tapuia Paiacu do Apodi. Ressalta-se que, quando um patriarca se
autodeclara, automaticamente toda a sua família tem o direito garantido pela
Constituição Federal de se declarar, procurar, pesquisar sua genealogia e assim
identificar sua etnia, que sendo legitimada historicamente e pelo espaço
geográfico ocupado, no tempo de colonização (século XVI), deve ser vinculado à
comunidade organizada.
Vale
ressaltar que autodeclarar-se não significa somente dizer: “eu sou indígena”, é
preciso ter conhecimento do seu histórico familiar, buscar seu vínculo com uma
etnia que seja reconhecida como ocupante do território invadido pelos europeus
a partir de 1500, para poder ser aferido pela liderança daquela etnia. Em
Apodi, a única pessoa que pode garantir a aferição é a Cacique Lúcia Paiacu
Tabajara, líder pelo seu histórico de pesquisadora que conseguiu reunir dados
históricos, arqueológicos e antropológicos que garantiram a investida das
pesquisas acadêmicas que oportunizaram a publicização do conhecimento que ela
reuniu em suas investigações de campo.
O
povo Tapuia Paiacu do Apodi contribuiu com esses dados do censo 2022 com a
também elevação positiva do número de indígenas no RN, que era apenas de 2597
em 2010 e hoje se contabilizam 11.725. Grande parte desse aumento de indígenas
autodeclarados se deve ao Movimento Indígena do RN, que teve início em João
Câmara no ano de 2005 e conseguiu ampliar-se nos últimos anos, vinculando comunidades
e povos que se encontravam dispersos desde o século XVIII nos territórios
potiguares.
Por Mônica Freitas